domingo, 31 de março de 2013

Santa ingenuidade..., a minha!

Gabriel, aos 3
Diz-se que hoje em dia as crianças são tão espertas que já nascem de olhos abertos. Espertas e maliciosas, diria eu. 

Já se foi o tempo em que elas criam em Papai Noel, Saci-Pererê e Boi da Cara Preta. Mesmo que você se julgue um sujeito vivido, experiente e perspicaz, sempre acaba se surpreendendo com os pimpolhos.

O meu filho Gabriel, ora com quatro anos (tinha três quando se saiu com essa), gosta muito de ouvir histórias que eu, com a minha péssima memória, cuido de improvisar relatos novos, adaptar, inventar. 

Ele pede para eu contar a do boi, por exemplo, e eu desperto sua fantasia dizendo que o boi comia capim, depois foi comprar bala, o leão pegou as balas, coisa e tal.

Dia destes ele pediu para eu contar uma da sombra (que lhe causa verdadeiro terror), outra do lobo mau, e outra e outra. 

Como diz um amigo meu, chegou-se a folhas tantas que Gabriel pediu para eu contar uma da perereca. Em minha santa ingenuidade, comecei: 

- Era uma vez (notem como sou criativo nisso) uma perereca que caiu dentro do rio, e blá-blá-blá, ficou no fundo com o pezinho preso no lodo, mas antes que morresse afogada passou um peixe bom e a trouxe até a tona, salvando-a.

Terminada essa linda história da perereca o petiz pensa um pouco, vira-se para mim sério mas com um brilho de ironia no olhar e ordena: 

- Pai, agora conta a do c...

Pano rápido!

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/2000

Inocência ultrajada


“O BRASIL ESTÁ DE OLHO...! É o que diz a campanha publicitária oficial contra a exploração sexual de crianças no país, crime perverso e covarde a consternar toda a sociedade e que desnuda de forma crua a violenta injustiça social que nos assola. Um grande olho humano ilustra o cartaz.

O Brasil está de olho, mas a visão está deturpada pelo astigmatismo que o leva a formular débeis tentativas de combater apenas o efeito e não a causa desta calamidade. 

Há que se debruçar no cerne da questão, na célula-máter desta infecção que se insinua de forma voraz e atinge milhões de vítimas com seu efeito devastador. 



A sociedade não pode, jamais, perder a capacidade de se indignar com esta prática hedionda, havendo de censurar enfaticamente as camarillas farsantes que se revezam há decênios em Brasília, e que nada fazem a não ser criar programas sociais caricatos e de enfoques eleitoreiros. 


Esses impostores jamais vão ao âmago da questão porque não lhes interessa conviver com um povo sadio e instruído, para que não desenvolvam a capacidade de desmascarar seus embustes apeando-os do poder que lhes seduz arrebatadoramente.

O olho é míope porque não vê, ou melhor, finge, que o que leva uma criança a se prostituir é a fome, não somente aquela que força seu estômago a roncar diuturnamente, como também a de Educação, de Saúde, de Justiça Social. 

Este olho, hipermetrópico pela indolência em olhar as  necessidades básicas da maioria da população, transforma-se numa rapidez vertiginosa em olho de lince para enxergar na escuridão e trevas das injustiças os interesses obscuros e amorais de uns poucos.

Estes desmandos, olho omisso, resultaram na infecção que a imprensa diagnosticou. Se você não fosse tão frio e impenetrável, talvez tivesse perscrutado que a vontade de saborear um bife ou o desejo de possuir uma boneca é que leva uma menina ainda impúbere a vender seu corpo imaturo por 5 ou 10 Reais. 

Você, olho cruel, não tem condescendência nem com a infância, vítima inocente do seu arbítrio, por isso é o maior culpado por essa infâmia. 

E não me venha agora dar uma de arrependido, de diligente. Ou terá sido porque a situação chegou a tal ponto que se tornou necessário dar uma satisfação? 

Ou ainda, terá lhe doído realmente um pouquinho quando tocaram nesta ferida que jamais cicatriza, como de resto todas as outras chagas que, de tão intensas, lhe escapam ao controle?

Há de se combater, sim, olho incompetente, a concupiscência degradante de adultos degenerados  com seres tão pequenos. Não se pode contemporizar com estes pervertidos que abusam, seviciam, corrompem, achacam e estupram nossas crianças. 

Mas a cura definitiva compete a você, olho impassível, lograr êxito. Quando houver vontade política você, com certeza, tirará os infantes dos meios promíscuos em que vivem, dando-lhes alimento, saúde, educação e lazer. 

Só assim não terão de trocar sua chupeta por alguns trocados conseguidos através da oferta em holocausto do seu pequeno corpo em desenvolvimento.

Livre-nos deste flagelo, olho roxo. Talvez ainda haja tempo para você curar o trauma que este soco violento lhe causou!

Autor: José Henrique Vaillant - agosto/2001

Grampo provinciano; ou, condomínio chamado Brasil

novacharges.wordpress.com
Triiimmmm

–Alô?

–É o Vicente? Souza falando...

–E aí, Souza? Tem passado bem?

–Não como você, Vicente. Você que é sortudo..., até já instalaram o seu telefone...

–É... 5 anos de espera..., já era tempo! Mas não sou eu que estou bem nas pesquisas...

–Que nada, Vicente. Ainda preciso de mais 3 condôminos para garantir minha eleição de síndico aí do prédio...

–“Xá” comigo, Souza. Vai ser mole. Só vou precisar de sua colaboração depois..., sabe como é...

–Perfeitamente. Claro. Irrestrita.

–Então escute. O plano é o seguinte: sabe aquela mulher do 501?

–Sei... sei. Aquela que no lugar de palmas sacode as jóias?

–Isso. Vamos dar isenção total do pagamento da taxa mensal de condomínio da sua cobertura durante toda a gestão do governo Souza, compreendeu?

–Claro, nada mais justo, Vicente!

–E tem mais. Conhece o Curriola, amigo do Chico Golpes?



–O dono do banco Sarka Tudo?

–Sim. Ele, o Curriola, juntamente com o dono do Banco Conte Cinfrões, que moram juntos no 171, vão votar em você.

Só que eles precisam de uma forcinha..., tão com o apartamento penhorado..., coitados..., me ligaram hoje das Bahamas..., nem conseguem curtir umas férias direito, tamanha a preocupação.

–Claro, claro. Se depender dos recursos do prédio, os bancos deles não quebram..., ou melhor, se quebrarem pelo menos eles ficarão numa boa. 

Pra que servem os amigos, não Vicente?

–E tem também aquele empreiteiro que mora no 302, o dono da Superfaturadas ilimitada. 

O dele vai ser um contrato de manutenção do prédio com um pequeno ágio de 50%.

–50%? Não é muito?

–Né não, Souza. É valor de mercado. Não vê a  O K Nalha? Já reajustou sua tabela “agial” para 60%! Dizem que a Safardo Corneia já cobra 70!

–Esse pessoal não brinca em serviço! Votinho caro, né Vicente?

–É..., mas compensa. Os condôminos comuns serão beneficiados em “nossa” administração. Vamos manter a estabilidade dos valores condominiais a qualquer custo, né não, Souza?

–Claro, claro..., humpt, humm..., humm...., mas Vicente, de onde vamos tirar para cobrir estes custos..., digamos..., eleitorais?

–Simples, Souza, simples. Não tem aqueles gringos que adoram emprestar dinheiro?

–Os do FOMI?

–Isso. Famosos Opressores Matreiros Internacionais.
–Mas os juros são bem salgados... Para pagar estes caras vamos ter de demitir gente..., acabar com a escolinha e a sala de primeiros socorros..., aqueles dois andares que projetávamos crescer vão para o espaço...

–E daí? Preço de condomínio 4 anos sem aumentar é o que importa, Souza. Vamos nos capitalizando com os gringos nas defasagens, pagando só os juros e empurrando com a barriga...

–Mas vai chegar num ponto, Vicente, que a coisa pode estourar...

–Desde que não estoure em nossas mãos..., o próximo síndico que se vire! 

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/1998

Amor mortífero

Suzane Richthofen
Ela era jovem, rica e bela. E não tem nada de paranoica ou débil mental. 

Mandou matar os pais por um louco amor, formando um drama real que supera as fictícias tragédias shakespearianas no ápice do delírio criador do dramaturgo imortal. 

Que motivo é esse? Como o amor pode ser tão mortífero? Na impossibilidade de uma análise psicológica de maior profundidade, resta a impressão de que a juventude da era moderna não tem limites para nada, e que numa sinistra ironia os pais de Suzane Richthofen tiveram de certa forma alguma culpa pela própria tragédia que os vitimou, já que vivenciaram e praticaram as regras de comportamento ditas modernas. 


O poder material destes trevosos tempos passaram a ser o único valor a nortear grande parcela de seres humanos. Conforto, consumismo, luxúria, hedonismo, peitos siliconizados, bundas proeminentes substituíram dignidade, moral e solidariedade. 



E esta cultura é transmitida dos pais para os filhos.


A evolução comportamental sempre foi vista com reserva. Como se escandalizaram, por exemplo, os pais da juventude transviada da década de 1960 com as barbas e os cabelos compridos de seus filhos, ausência de banho, sexo livre e a consagração da utopia de um mundo sem peste, fome e guerras! 

Mas aqueles pais, embora tivessem o dissabor de testemunhar a ruptura de um padrão estabelecido, o que é sempre traumático, tiveram atenuantes em relação aos de hoje porque os movimentos de outrora tinham o Paz e o Amor como abordagem principal. 

Atualmente imperam os pit bulls, os robôs sem alma e sem coração forjados nas academias de artes marciais, os pequenos tiranos que por terem tudo julgam que a tudo podem, até incendiar pessoas em praça pública, assassinar garçons, matar espectadores no cinema e assassinar os pais.

Os meios de comunicação, em especial a TV, têm enorme parcela no atual padrão estabelecido. 


A televisão brasileira vem formando uma geração com mutações genéticas que a torna dependente de violência e notícias ruins. 

A diversão dominical é exatamente achar graça na desgraça alheia, rir-se à toa de tombos e tropeções nas famosas pegadinhas. 

Os comunicadores, na mais desavergonhada ironia mostram que as pessoas que ainda têm bom coração e se dispõem a ajudar o próximo não passam de um bando de otários, que trocam pneus e são zombados, ajudam deficientes físicos que levantam e saem andando, e tantas outras situações criadas para expor as pessoas ao ridículo, destruindo o balizamento da ética e da razão.

O amor de Suzane é fruto dessa poção diabólica, cozida no caldeirão da permissividade, da dissimulação, da insensibilidade, da crueldade, da impiedade, da iniquidade. 

O ápice deste amor para quem nunca conheceu limites teria de ser lavrado num clima de erotização maior imaginado por suas mentes frívolas: o sacrifício dos próprios pais de um dos parceiros!

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em dezembro/2002

sábado, 30 de março de 2013

Vai o homem, fica o mito

Mário Covas Júnior - abril/1930 - março/2001
Não há o que acrescentar ao que já foi dito a respeito do homem, do político, do ser humano Mário Covas. 

Quaisquer adjetivos que exprimem qualidade extraordinária que caracteriza alguns exemplares da espécie humana seriam repetitivos, reprisados que foram à exaustão por amigos, conhecidos, parentes, correligionários. 



Ele foi um raríssimo caso de unanimidade porque agregou na admiração à sua extensa, profícua e magnífica obra, até o mais ferrenho adversário, gente que se considerava sua inimiga política número um.


Nunca é demais, porém, insistir pela conveniência dos homens públicos inspirarem-se em seu legado para que um sistema político torpe, aético e amoral possa ganhar um pouco de dignidade e retidão. 

Aos demagogos, que espelhem-se em sua conduta de homem sincero e autêntico; aos corruptos, que uma centelha de sua moral, de sua honestidade acenda o estopim do caráter, da lisura; aos filhos ingratos, traidores da nação, submissos à hidra colérica, à tirania dos opressores internacionais, evocar e assimilar um naco de seu patriotismo, do profundo amor que nutria pela pátria desencadearia surpreendentes reações de civismo.

"Saio da vida para entrar na história". 

Esta frase, cunhada no momento mais dramático da vida do presidente Getúlio Vargas, nos últimos minutos de sua existência, traduz a estranha característica do ser humano, notadamente dos brasileiros, de cultuar os grandes homens somente após sua eterna partida. 

Não foi diferente com Mário Covas. 

Essa cultura, esse hábito conspira para uma evolução social mais rápida, em toda a plenitude e abrangência porque as qualidades ficam  turvadas em vida devido à consciência da imortalidade que guarnece o homem. 

Isso acirra as diferenças, robustece a vaidade, tolda a capacidade de reconhecimento e valorização aos empreendedores, aos visionários. 

A morte, no entanto, fornece a antítese a esse comportamento porque relembra duramente a inexorável finitude da vida, e essa negação da eternidade, nos breves momentos que dura a estupefação pela dama da foice torna o ser humano sensível e solidário.

Há inovações, todavia, a partir da morte de Covas. Sua existência terrena foi tão diferenciada que produziu um fenômeno capaz de tornar realidade a utopia da edificação moral. 

Os conceitos contidos em seu espólio são de tamanha grandeza que não haverá quem não se retraia ante o impulso aos malfeitos. No mínimo, os pequenos de caráter não poderão aludir suas nocivas ações à falta de bons exemplos, pois a jurisprudência firmada por Mário Covas é completa.

Foi-se o homem, ficou o mito. E desse mito seguramente a inspiração para que transformemos o Brasil num país mais soberano e mais justo.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em abril/2001

A ditadura da democracia; ou, nem sempre a maioria está com a razão

Carlito Maia (fevereiro/1924 - junho/2002: "Não tolero a
ditadura de um sobre todos, nem a de todos sobre um
Como é imperfeito um dos mais básicos e elementares preceitos democráticos: o de que todos devem ser governados por alguém escolhido pela maioria! 

Isso só deveria ocorrer quando essa dita maioria tivesse a noção exata da amplitude e da complexidade dos seus problemas; tivesse o conhecimento pleno dos seus direitos e deveres; fosse esclarecida o suficiente para poder discernir pelos atos, palavras e atitudes quem é quem ou quem teria condições éticas e morais para influenciar o seu destino.



E bem verdade que o mundo, hoje, passa por uma séria crise de homens bem preparados, de inteligências persecutórias de ideais, planos e projetos que visem ao  beneficio das pessoas. E mesmo que o Brasil não escape a esse deserto de bons nomes, confesso que gostaria de ter qualquer outro a influenciar a minha vida pelos próximos quatro anos, até porque prefiro pecar por ação que por omissão.


Não quero ser inexoravelmente, sem arreglo, governado por alguém que não desejo, por alguém em quem há pouco menos de quatro anos depositei todas as minhas esperanças num futuro melhor para mim e meus compatriotas. 

Fomos traídos quando ele nos prometeu, e com uma desfaçatez impressionante, tergiversou e não cumpriu nada que estava simbolizado na sua mão calejada de quatro dedos que, para mim, era mais idealista do que a antecessora completa, com o mindinho e eivada de autênticos brilhantes. 

Não direi que o povo votará no próprio carrasco, como disse o próprio Lula quando perdeu a última para o FHC. 

Mas diria que sua reeleição será produto da mais pura farsa, de um engodo mirabolante empurrado de forma brutal e impiedoso nas goelas da maioria dos seus eleitores, os menos esclarecidos. 

Estes, em sua inocência, acreditam que o bolsa família é decorrente da mais criativa engenharia político/econômica. Não lhes é dado, claro, a chance de entenderem que pagarão (pagaremos) caro pela esmola. 

A sinopse do horrível filme de terror que nos aguarda na segunda sessão assistimos por aí diariamente, e o mais terrível é que essa síntese está sendo interpretada como a mais sublime e emocionante história de amor, numa inversão de valores espantosa. 

A mansidão e a brandura da maioria que dá a Lula números generosos nas pesquisas decorrem do desconhecimento de que o Brasil navega em mares calmos, antes pela conjuntura financeira internacional do que pela competência do governo, que não sabe o que significa competência ou pensa que é apenas viajar em avião de US$ 60 milhões, comprar deputados e condecorar com a mais nobre honraria o tal do Severino Cavalcanti. 

Nunca um presidente brasileiro foi tão beneficiado por tamanha estabilidade mundial. 

Ainda assim os criminosos juros reais “neste país” estão na estratosfera de 12% ao ano, contra 11% do governo anterior, que atravessou oceanos revoltos de crises e mais crises, como por exemplo a quebradeira da Rússia. 

Banqueiros brasileiros, podem crer, serão os mais ardorosos defensores desse continuísmo revoltante!

Vade retro! Por onde anda a oposição, mesmo a do Enéias ou a da Heloísa, que não lê para o povo o que ele é incapaz de compreender? Cadê o PSDB, o PFL, que apostaram num Lula definhando até morrer em outubro? 

Por onde anda boa parcela de nossos pensadores, de nossos intelectuais? Estaria purgando com o silêncio a furada do engajamento? Liguem não, errar é humano. 

Este silêncio todo nos atordoa, como diz a música. E o pior e que atordoados não permanecemos atentos, ao contrário do que o Chico disse noutra época. 

Compreendam, e difundam, que neste céu de brigadeiro econômico o Brasil deveria desfrutar de um crescimento de 7%, 10%, e não apenas se contentar em ser o penúltimo do mundo. 

Qualquer barnabé que honestamente desejasse governar para o povo e não para “a zelite” faria melhor. Bom Jesus do Norte mesmo, Calçado, Apiacá e o Espírito Santo como um todo estão bem graças a seriedade de Paulo Hartung com o auxílio do Governo Federal?

Isso não é nada se considerado o cenário altamente favorável em que Lula surfa. Precisamos parar de nos contentar com pouco! 

Como Carlito Maia, não tolero a ditadura de um sobre todos, nem a de todos sobre um.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em fevereiro/2006

A banalidade do horror

World Trade Center
O 11 de setembro de 2001 ficará  registrado na história da humanidade como o dia mais negro e obscuro de todos os séculos e séculos. 

Os ataques terroristas aos centros nervosos do poderio militar e econômico da maior nação do Planeta foram atos inumanos apavorantes contra todos os povos, e o mundo não pode ter o infortúnio de ver isto novamente. 
  
 Naquele dia fatal os ataques  terroristas mais audaciosos e monstruosos ocasionaram um número horrendo de vidas inocentes perdidas, uma sucessão de pavor e devastação sem precedentes, dignos do mais delirante e inverossímil efeito especial de Hollywood. 

Como a mente humana pode produzir catástrofe deliberada com tamanha precisão e sincronismo! 



Os ataques ultrapassaram as fronteiras nacionais americanas para se constituírem desafios insolentes contra a totalidade da civilização, um duro questionamento aos sistemas de valor desta geração.  

Não foi uma tragédia  apenas para a América rica, foi uma tragédia internacional cujos desvairados desdobramentos trarão mais infortúnio e desespero para populações pobres e miseráveis que se multiplicam neste Planeta tão bonito e... amargurado.

Ditos e axiomas até antigos interpretavam o nível  de descobertas, de tecnologia, de desenvolvimento como armas que se voltariam contra o próprio homem. 

Nada tão verdadeiro! A morte já não é encarada com o mesmo grau de temor e respeito. Passa a fazer parte do cotidiano como mais uma mazela. 

E tem até certa lógica sua institucionalização quando comparada com as vítimas da fome e da injustiça. 

Ela (a morte) com certeza é melhor para aquelas mães etíopes cujas tetas sangram nas boquinhas de seus filhos esqueléticos, literalmente a pele e osso com os olhos recobertos pela mancha cinzenta do desespero pela fome. 

Com certeza é melhor para muitas populações de territórios cujos ventres inclusive geraram seus próprios genocidas, para comunidades inteiras que sofrem a tirania de líderes tresloucados que os fazem mártires em nome da religião ou da ambição desmedida de poder e de posse material.

Ninguém tem razão, e todos a  têm. O mundo tornou-se maniqueísta, onde cada ideologia se julga "do bem"  e as divergências, "do mal". 

Não existe mais a tolerância que edificava o convívio em harmonia, e a exacerbação passou a fazer parte da rotina. Esses episódios de horror, na realidade, são o acúmulo das pequeninas perversidades mútuas e diferenças do dia-a-dia, que numa espécie de surda conspiração vão se juntando para produzir a desforra bombástica. 

É como se o vizinho dissesse ao outro: "Viu a potência do meu deus?", e saísse com o riso sarcástico pela fraqueza do deus daquele.

Os artistas procuram como fonte de inspiração algo em que possam se encantar para  criar. 

Essas linhas ressentidas de otimismo param por aqui não sem antes reproduzir um texto do profeta Zé Ramalho, escusando-se com os leitores pela impossibilidade de levar-lhes algo mais ameno: 

"Prevejo dias/com o ventre da Terra à mostra/céu sem sol/chuva de bosta/mentira igual verdade/tombam estrelas/todas as calamidades/cairão sobre as cidades/tempestades/mortos-vivos nas estradas/árvores virando cruz/com a ira da potestade/os reis caminhando nus.  

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/2001

Nostradamus errou mesmo?

Michel de Nostredame ou Miquèl de Nostradama
dez/1503 - jul/1566 - profeciasoapiceem2036.blogspot.com

Michel de Nostredame, secularmente conhecido por Nostradamus, teria previsto a ocorrência do fim do mundo para este ano, mas numa análise materialista,  considerando-se tal fim  como a destruição física literal do planeta, o misto de profeta, médico e petisco desejado pela Santa Inquisição a transformar-se em churrasco, errou. 
  

Não é aconselhável, no entanto, precipitar-se no julgamento e considerá-lo um charlatão dos tempos medievais, pois ninguém pode afirmar com certeza que conceitos ele tinha de finitude.


Por exemplo, se considerasse como fim o ápice da contradição humana, que busca febrilmente preservar e dotar longeva a vida, ao mesmo tempo em que cria dispositivos igualmente eficientes para dizimá-la em segundos, o visionário acertou! 

A humanidade parece ter atingido neste final de milênio seu mais alto grau de incoerência, traduzida pela convivência com a  ambivalente tecnologia, que tanto salva quanto mata, tanto preserva quanto destrói. 

Terá sido este o fim preconizado, não o do mundo físico, mas o da derrocada moral que eliminou o instinto da compaixão e solidariedade que norteava a configuração do relacionamento  humano na terra?

A indústria bélica jamais experimentou tamanha evolução em tão pouco tempo. 

A tecnologia do mal  tornou obsoletos os mísseis teleguiados de longo alcance, as bombas nucleares já estão virando peças de museu,  e já se fala em armas mais mortíferas e de investimentos proporcionalmente menores dada a relação “custo/benefício” - com  a utilização do laser em  mais larga escala.

São as chamadas armas inteligentes ou limpas, quer dizer, as que só fazem vítimas do lado mais fraco, não somente nas guerras em si, como pela devastação legada a posteriori.

Enquanto bilhões de dólares são destinados a essa terrível finalidade, ampliam-se desesperadamente as desigualdades sociais na Terra, com populações inteiras padecendo o flagelo da fome, da doença, da ignorância e da ausência total de perspectivas que pudessem dar-lhes um único sentido para o viver. 

Segundo recente documento da ONU, “a primazia dos mercados concentrou poder e riqueza em um grupo seleto, com o mundo correndo desenfreadamente para uma maior integração, conduzido principalmente por forças econômicas e orientado sobretudo por uma filosofia de lucratividade do mercado e eficiência econômica”.

Este talvez tenha sido o fim que o profeta previu. A revolução e  o desenvolvimento tecnológico em benefício de uma parcela menor e mais poderosa de seres humanos, alicerçados sobre a dor e desespero dos demais.

Se previu conceitualmente assim, ele acertou! Talvez nós é que não tenhamos percebido que este é um fim ainda pior do que se tivéssemos sido simplesmente varridos do Planeta! 

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em agosto/1999 

Abaixo o "Dia da Mulher"

clubedastraidas.blogspot.com

No Paquistão e no Afeganistão, as mulheres vivem em condições subumanas em virtude da teocracia machista e primitiva que as impede de mostrar até mesmo o rosto. São martirizadas de todas as formas, queimadas e apedrejadas nas praças públicas quando da suspeita de infidelidade. 

Ainda é comum, aos 13 anos de idade, as meninas-crianças serem casadas com maridos arregimentados pelos pais, sem nunca os terem visto. A partir daí seus únicos direitos são os de permanecerem vivas e procriarem.



Na Tailândia, as meninas de até oito anos de idade são procuradas por pedófilos, constituindo a prostituição infantil um dos estímulos ao turismo.

Nos EUA, berço da liberdade, as prisões femininas contam na maioria com guardas masculinos. Muitos deles cometem toda a sorte de abusos (a maioria sexuais) contra as detentas. 

Em todo o mundo a discriminação e o preconceito contra as mulheres ainda persistem mais deletérios do que se supõe.

No Brasil não é diferente. Por trás dos pseudos direitos iguais e das liberdades irrestritas em todos os aspectos sociais e profissionais, as brasileiras sofrem os dissabores de uma sociedade impregnada da cultura que ainda não se libertou do seu ranço machista. 

A violência física por parte dos companheiros ainda é um cancro longe de ser extirpado definitivamente, pois a conotação de objeto pessoal e intransferível dos machos encontra-se instintivamente ativa dentro de valores arcaicos que não se renovam por carências educacionais e instrutivas.

Mais explícitas no Brasil periférico e nas regiões economicamente mais pobres, as injustiças contra a mulher revelam sua face mais cruel. É a prostituição como meio de sobrevivência, mais dolorosa a infantil. 

São os espancamentos por companheiros alcoolizados, as desigualdades no mercado de trabalho, a discrepância salarial relativamente aos homens, maior dificuldade de ascensão social.

O discurso enaltecedor da condição feminina e dos direitos da mulher no Brasil conserva perenes figuras de retórica e argumentação falaciosa. 

Basta atentar-se aos indicadores que quantificam sua influência na política, na economia e nas demais atividades profissionais, exceto talvez nas artes, onde sua própria condição feminina com os dotes naturais característicos possibilita-a uma interação mais ativa e efetiva.

Comparativamente há duas décadas, é evidente que a mulher brasileira galgou posições mais igualitárias, conseguiu maior autonomia e independência sobre si própria, mas estas conquistas são ainda tênues. 

Há que se lutar muito, principalmente na batalha que mais a fragiliza, da qual continua vulnerável em todos os flancos: a de se constituir objeto sexual muitas vezes com sua própria conivência e estimulação, cedendo aos impulsos da vaidade desmedida que juntamente com a ambição material desnudam seu corpo e sua alma para as orgias pagãs, distorcendo os fatos e forçando a leitura equivocada de que seu corpo não passa de uma bela alegoria destituída de personalidade e vontade próprias.

Não há o dia dos homens. Não deveria haver um específico para as mulheres. Todo dia é o delas e o deles, nos quais convivemos em igualdade e respeito mútuos.

Ou deveríamos.   

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/1999

Unidade fragmentada; ou, o político que se vende é aquele que o compra

www.humorpolitico.com.br
“O político que se vende é aquele que te compra”. 

Esta frase, vista num para-choque de caminhão, traduz uma verdade. 

Com efeito, os adeptos da distribuição das benesses eleitoreiros, aqueles que “compram” o eleitor com favores os mais variados, certamente não fazem às próprias expensas, e a torpeza desses procedimentos reside no fato de que as pessoas acabam pagando a conta, de uma ou outra forma -com juros extorsivos, pois a recuperação dos “investimentos” normalmente é à custa do seu emprego, da sua saúde, da sua educação, da sua dignidade, enfim. 



Por outro lado há, sem dúvida, os políticos que compram, sim, não no sentido pejorativo, não na oferta de agrados ou favores rapidamente transitórios e de efêmera valia, mas com ideias, com planos, com sabedoria e sincera vocação de bem servir ao país.


O diabo é que está difícil identificá-los. O modelo político que aí está prostituiu-se a tal ponto que levou de roldão a capacidade de discernimento do eleitor. 

De há muito que partidos deixaram de ter programas ou ideologias para se dedicarem quase que exclusivamente a finórios balcões de negócios, com o entra-e-sai de filiados ao sabor de interesses estritamente pessoais. 

As agremiações partidárias, ao se desmoralizarem desta forma, perderam a credibilidade de respaldar nomes, nivelando por baixo todos os candidatos que, num verdadeiro salve-se-quem-puder individualista enfatizam suas qualidades pessoais que soam ao eleitor como demagógicas e falsas, numa interpretação coletiva às vezes injusta e que só faz realimentar o círculo vicioso. 

Esta situação persistirá até o momento em que a prática do exercício da democracia possibilite aos brasileiros acertarem intuitivamente, escolhendo aqueles que possam reverter esse quadro caótico, contraproducente e danoso aos interesses do Brasil, e oxalá possamos contemplar o primeiro passo emergir das urnas este ano.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/1998

Quando ganhar não é bom


O goleiro Taffarel certamente não percebeu o tamanho da dimensão na vida dos seus compatriotas ao protagonizar o feito memorável de defender dois pênaltis dos ferozes holandeses, embora o seu heroísmo não fosse coroado com o título na partida final, vencida pelos franceses.

A conquista de uma Copa do Mundo inebria o espírito despertando o sentido ufanista anestesiado pelas vicissitudes de um povo. 

As mãos do goleiro ao impedir que os tiros mortíferos estufassem suas malhas foram mecanismos catalisadores de angústias e decepções de uma geração apática pela falta de perspectivas, constituindo-se naqueles breves momentos, tão mágicos quanto efêmeros, um feito extremamente positivo aos seus conterrâneos, na medida em que proporcionou uma catarse coletiva necessária e justa. 



Por outro lado, o galardão dessas conquistas pode se tornar malévolo se não se souber administrar os sentimentos de euforia, permitindo que ultrapassem o terreno estritamente esportivo, influenciando indevidamente outros aspectos da vida nacional.

É incongruente, por exemplo, que se deixe entorpecer os sentidos pela vitória no campo esportivo em detrimento da luta pela conquista de uma vida mais digna; 

Que seja ofuscada ou enfraquecida a capacidade de mobilização na busca de melhor justiça social pelo enleio de rápida transição que o ópio do futebol propicia; 

Que se permitam aos oportunistas de plantão capitalizar o árduo triunfo dos atletas em dividendos políticos, como certos expoentes do poder que se arvoram em se intitularem “pés-quentes”.

Por essas e outras é que os cartolas do esporte declararam que a copa deu prejuízo do grosso à CBF, mas que esse é um detalhe insignificante frente à “importância” da obtenção da taça (que, a propósito, não veio desta vez).

O preço que cada brasileiro paga, goste ou não de futebol, é proporcionalmente alto, muito alto até mesmo por um laurel da magnificência de uma copa mundial. 

À parte os mastodônticos custos com atletas, comissão técnica, convidados, estadias, traslados, “jabás” e as demais mordomias de praxe (até mesmo possíveis sonegações alfandegárias como ocorreram em 1994), os custos indiretos são incalculáveis. 

A começar pela excessiva e desnecessária massificação dos noticiários de toda a mídia, que ao longo dos 32 dias de disputa são dominados por assunto único, comprometendo a capacidade de discernimento das pessoas pela ausência das demais notícias do seu cotidiano, até a incrível abstinência ao trabalho, notadamente em dias de jogos em que a equipe brasileira participa, mais uma brutal paralisia festeira das tantas que já estertoram uma Nação pobre e combalida.

É necessário algum comedimento e certos limites ao se atribuir o valor das conquistas esportivas, a fim de que não venhamos todos a nos tornar os bonifrates de uma esfera branca, manuseada de forma magistral pelos jogadores brasileiros, às vezes, porém, a serviço dos nossos fantasmas.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em julho/1998

O ovo da serpente

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A programação da nossa TV aberta, acessível a todos e que adentra os lares brasileiros do Oiapoque ao Chuí, dos Pampas aos Seringais, sem a mínima cerimônia, em grande proporção é deprimente e desperta indignação. 

Impressionante até que ponto pode chegar o ser humano na busca por lucros e um pontinho a mais no IBOPE, que massageia egos engordando contas bancárias, ainda que através da destruição da dignidade e senso do ridículo.



O tal do “zero-novecentos”, por exemplo, é uma heresia. Quase na totalidade oferecendo “serviços”, é uma armadilha para os incautos, pois ao contrário de mercadorias não se pode devolver mensagens eróticas, piadas, conselhos de videntes e demais pantomimas criadas com o fito de explorar a boa-fé das pessoas. Não pagou, bloqueia-se a linha telefônica.


Os programas que oferecem prêmios nunca se deram tão bem. Usam e abusam da desgraça social para vender sonhos, onde um automóvel reluzente ou uma bolada de dinheiro tornam-se atrativos irresistíveis aos olhos dos miseráveis, e a mensagem insidiosa, agressiva, verdadeira lavagem cerebral, consegue transformar probabilidades remotíssimas de acerto numa certeza estonteante do ganho.

Na telinha, a alienação é garantida. Desde as crianças que aprendem ainda muito cedo a venerar e a consumir produtos das loiras e morenas, até as ratazanas pançudas que vendiam “churrasco de gato” e agora sobrevivem das baixarias escatológicas e insólitas oriundas da podridão humana, amealhando pela via do mais explícito servilismo alguns milhares de dinheiros para si e seu bispo-patrão. 

A propósito, esse bispo vai indo muito bem na exploração da fé mesclada com ignorância. 

Qual um bólido, leva de roldão para seus templos a multidão desesperançada e cética com a triste realidade, em busca dos milagres que acreditam possível  com o correr das sacolinhas. Até na Terra do Sol Nascente já marcou presença, e uns poucos japoneses, após se virem aliviados de alguns Yens, já afirmam: “Clisto salva, nô?”

A busca pela audiência a qualquer preço não respeita bom-senso, moral ou ética. Apela-se para tudo, do real ao imaginário na busca ao telespectador. 

Invadem a privacidade das pessoas e inventam mirabolantes situações para colocarem-nas em ridículo. 

Ridículo, por sinal, o que parece ser a nova modalidade dos programas dominicais de auditório, onde elegeram a emoção barata e às vezes forçada como atração principal. 

Neste último domingo das Mães, para ilustrar, um mar de lágrimas por diferentes motivações inundaram os palcos.

Difícil conter a emoção e impossível mudar de canal ao contemplar a loira mais celebrizada (e quiçá mais rica) do Brasil verter uma aguinha por mais uma das milhares de manifestações de tietagem por sua nascitura, que antes de conhecer a hipocrisia deste mundo já é mais paparicada que o Menino Salvador da humanidade. 

Impossível não ter um nó na garganta, esquecendo totalmente o controle remoto, ao reparar os olhos marejados de um famoso jogador do futebol paulista contemplando as rugas prematuras e a fisionomia sofrida e cansada de sua genitora. 

E os animadores, contritos, numa de bons samaritanos e impressionantemente bem articulados, quase conseguem convencer a todos da sinceridade com que se solidarizam com o drama das pessoas, e não apenas ritmados aos próprios corações em descompasso pelos piques de audiência. 

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/1998

Indio quer Justiça, dão-lhe fósforos. Ou melhor, tacam-lhe fogo!

21/4/1997 - Cerimônia de 10 anos da morte de Galdino,
realizada na Aldeia Pataxó, em Pau Brasil/BA
A decisão de desqualificar como hediondo o crime praticado por adolescentes brasilienses, tomada pela presidente do Tribunal do Júri de Brasília, Juíza Sandra de Santis Mello, foi motivo de revolta e comoção junto à opinião pública, pois praticamente absolve os assassinos ou, na pior das hipóteses (para eles), cumprirão 1 ou 2 anos de uma reclusão bem confortável, proporcional ao poderio econômico de suas abastadas famílias. 

Fica a incineração covarde e cruel do índio Pataxó Galdino, de acordo com as pérfidas e capciosas leis brasileiras (eficientemente bem exploradas em seus pontos fracos por renomados advogados), como... digamos..., uma brincadeirinha pueril e inocente (talvez a única que o dinheiro farto e inesgotável ainda não havia proporcionado aos algozes do desventurado indígena).



Não é de estranhar que mais um caso de crime perverso fique impune e que contribua e incentive cada vez mais para a escalada da violência, pois além das leis serem reconhecidamente ruins, muitos a interpretam tomados por irresistíveis sentimentos de pusilanimidade e condescendência, quando não por coisas piores. 


Parece evidente que as leis, por piores que sejam, jamais poderiam se apiedar de assassinos frios e cruéis, confessos,  que premeditam seus crimes. 

A persistir essa inversão da lógica e dos valores morais que ora vivenciamos, não seria surpresa se essas leis, recheadas de dicotomias, chegassem ao paroxismo de culpar a vítima pelo crime que ela própria sofreu.

A decisão da magistrada foi inspirada nos depoimentos dos acusados que disseram não ter tido a intenção de matar. 

Ora, enquanto a maioria dos brasileiros quase nada têm à mesa e frustra-se por isso, outros frustram-se por terem tudo. 

E por terem tudo julgam que também a tudo podem (parece que acertadamente), até mesmo, e por que não, supliciar pessoas. 

E aí, muito provavelmente tenham razão quando disseram que a intenção não era realmente a de matar. 

Talvez, quem sabe, deformar completamente o índio para verem com é que ficaria, ou fazê-lo dançar uma hórrida coreografia transformando-se numa fogueira viva?

Como poderiam pensar em matar se com isso sua excitação perversa teria um rápido fim? 

Para eles, o ideal é que a pobre criatura ardesse ao máximo mas que não passasse do limiar da resistência, conservando-se lúcido num horror indescritível a fim de satisfazer a sanha dantesca de animais ensandecidos!

Não é necessário ser um profissional da justiça para depreender que a crueldade não consistia meramente em matar. O caráter hediondo do crime foi a forma como foi cometido, o motivo torpe e sem sentido em que foi inspirado, o requinte de frieza e um vazio impressionante de senso humanitário de quem os cometeu. 

É claro que não se pode defender a hipótese de que se submeta ao clamor popular, a priori, as decisões soberanas e imparciais (em tese) do Judiciário. 

Mas seria de bom alvitre não perder de vista que o Código Penal brasileiro é antiquado, anacrônico e obsoleto, além do fato de que nem tudo que é legal é moral, razões mais que suficientes de que não se deve a tudo decidir obedecendo a algidez dos compêndios. 

Antes de tudo é necessário fazer-se uso, sem parcimônia, do bom-senso e do discernimento, pelo menos até o momento em que possamos contar com uma Justiça moderna e eficaz, se é que a possamos ter um dia.

O Brasil, campeão da impunidade e vergonhosamente refratário em apenar os criminosos pertencentes à sua minoritária casta de privilegiados necessita urgente de mudanças e se adequar definitivamente como uma nação justa e apta a ingressar qualitativamente no cenário mundial.

Casos como este do índio Galdino e tantos outros mancham, enodoam, vexam nossa reputação. 

É inconcebível que os que ocasionaram propositadamente a desgraça do índio, de sua família, de sua gente, tenham um fim que não o da condenação à pena máxima. 

Se tal não ocorrer, mais uma vez ficará caracterizado claramente que o alto poder aquisitivo e a influência das famílias dos assassinos foram o que ditaram o veredicto infame.

Certos caras-pálidas, que já haviam surrupiado suas terras, a saúde e a dignidade do seu povo, dando-lhes em troca espelhos e apitos, desta vez resolveram inovar: passaram a atear-lhes álcool, fósforos acesos, hipocrisia e cinismo.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/1997