quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Entrei pela saída


A velha distração que a cada dia me prega novas peças, desta vez foi determinante para eu decidir que daria (mais) uma crônica. 

Já disse neste espaço a você, amável leitor, graciosa leitora, sobre acender cigarro pelo filtro (meu recorde foi três, no mesmo dia); 


Discar várias vezes para o número errado, escrevendo num papel a advertência de “não esquecer o número” e depois me perguntar “que número?”; 

Ver-me na perigosa situação de tentar furtar um carro, esforçando-me para abri-lo certo de que era o meu próprio (detalhe: diferente na marca e até na cor); 


Enfiar a chave em motos de outros (neste caso só nas vermelhas, pensam que estou tão maluco?); estacionar e, ao voltar, decidir ir à delegacia dar queixa do sumiço do veículo, descobrindo tempos depois que o deixei noutro local; 



Trancar a porta e após ter percorrido longos trechos, dar meia-volta ao jurar que a deixei aberta, aproveitando para ver se o computador devidamente desligado foi..., desligado; se o fogão não vai consumir todo o gás porque com essa minha desatenção posso ter deixado um bico aberto, com ou sem chamas. E por aí vai.



Agora aconteceu em Vitória, onde fui estar com minha querida filha Mônica no dia 17/5, ficando por lá dois dias. 

Um adendo: o que vai a seguir ocorreu em cerca de dois minutos, se tanto, mas daria um belo roteiro de comédia pastelão.
Foi o caso de ao deixar minha filha no seu trabalho na Reta da Penha, ter resolvido tomar um ônibus para o shopping. 

Era um micro-ônibus, daqueles verdinhos que abundam a belíssima capital do Estado capixaba. 

O danado do celular que toca justo no momento em que o coletivo parou foi o componente fundamental para a mancada. 


Meu irmão Gustavo chamava de Taubaté/SP, assunto importante a esgotar de vez minha pouca concentração.

Ônibus parado, conversa acalorada, subi no cadafalso, digo, nos degraus fatídicos porque eram os da porta traseira. 

Acomodei-me numa cadeira da última fila continuando a conversa. 


Em meio ao bla, bla, bla notei que todas as atenções se voltaram para mim. 

Mais um pouco e eu estava sendo observado com a mesma atenção e encanto com que um entomologista contempla uma rara borboleta. 

- Gozado como tantos pares de olhos estão justo na minha direção, pensei. - Estranho porque são pares de homens e mulheres, pensei ainda mais intrigado. - Se fossem somente os do antigamente denominado belo-sexo... 


Não, não, tornei à realidade. Os janeiros chegaram e esse privilégio de outrora foi pro brejo há tempos. 

E patati, patata, o aparelho já com superaquecimento na minha orelha (deviam inventar um arrefecedor de temperatura para celulares), e os pares de olhos transformados em inúmeros pontos de interrogação, exceto os de duas crianças que riam um riso irônico, como se vissem no meu ombro cocô de passarinho.


Resolvi desatarraxar um sorriso forçado, meio amarelo, e até dei um leve aceno para as crianças. 


Notei que o ônibus continuava parado. Olhei para as portas, ninguém subindo ou descendo, tráfego calmo àquela hora. 

E papo vai, papo vem, outro par de olhos autoritários que me fulminava pelo espelho retrovisor interno me gelou:

- A entrada é pela frente, senhor -, recebi a sentença cruel, assustadora, assim, de chofre. 


Desatarraxei ainda mais o sorriso, nesta altura marron (ou já teria se transformado em verde, contrastado pelas faces em tons que lembrariam um pimentão maduro?). 


- Oh, mil desculpas, tentei remediar o mal-estar, fazendo mesuras as mais diversas, justificativas esfarrapadas tão falsas como uma cédula de 3 Reais. 

- Onde tenho andado com a cabeça?, saiu a frase estereotipada que 11 entre 10 pessoas pronunciam neste tipo de situação. 


É que os ônibus (pelo menos os daquele tipo) não têm o bom e velho cobrador de antigamente. Paga-se na entrada ao motorista, como não lembrar? 


- Gustavo -, abri um parênteses no assunto. - Sabe o que está acontecendo? -, falei alto, para que todos os passageiros ouvissem bem. 


- Entrei no ônibus pela porta de trás -. E ainda mais alto: - estão pensando que tentei dar um golpe de 2 Reais. 

Aí deu-se a catarse, todos soltaram sonoras gargalhadas, inclusive o motorista. 


Só não gostei de um par de olhos masculino, cujo dono sentava numa cadeira mais ao meio. 

Seria capaz de ler naquele semblante sarcástico: - pensa que engana a todos? A mim não. Conheço seu tipo. Dou 10 por 1 que não há ninguém conversando ao telefone com você. Tudo encenação -.

Pois é. Planar com os pássaros, no mundo da Lua, dá nisso. Qualquer dia bato de frente com um avião!


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/2010

Descaso e hipocrisia tonificam o maldito Aedes

O governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral estufou o peito e mandou ver, quase escandindo as sílabas: 

- "Nós, os governantes, é que somos responsáveis pela epidemia de dengue; não é a população".

Quanto desprendimento! Quanta coragem! Só faltou algum repórter perguntar quais seriam as autopunições que o intrépido chefe do Executivo estadual preconiza a fim de reparar mais de 90 mortes e tamanho sofrimento de um povo desassistido, enfileirado nas portas de hospitais sem médicos, acuado, pasmado pela violência de um agressor tão pequeno como um reles mosquito.



Governantes significa ninguém especificamente, mas o povão embarca fácil na marola do mea-culpa que aparenta sinceridade, na realidade, porém, esculpido com a argamassa da mais deslavada hipocrisia, material abundante nestes tempos políticos de dissimulação e matreirice. 

A população é responsável sim, senhor governador, assim como os governantes têm mais responsabilidade do que pensam.

A pessoa que não cuida adequadamente do lixo que produz, que deixa o mato e a sujeira tomarem conta de seus quintais e que pouco se incomoda com a higiene e com a prevenção é tão responsável quanto o governante que não propicia saneamento básico, que negligencia a vigilância sanitária, que não faz cumprir os mecanismos legais para punirem o desleixo de empresas e de cidadãos comuns. 

Chamam-se civilidade e asseio os remédios contra a dengue.

Aqui em Bom Jesus mesmo encontram-se exemplos à mancheia. 

Talvez porque demande trabalho administrativo (e até jurídico), ninguém é importunado se deixar seu quinhão de terra abandonado, com o mato às portas de Fra Mauro, na Lua, a esconder todo o tipo de perigo e armadilhas que o próprio homem cultiva para si, desde chapinhas de garrafas, copinhos de iogurte, latas, pneus, etc., etc., etc.

Ademais, só faltam externar em palavras o raciocínio (melhor seria raciocímio) de que nunca se pode perder de vista que o dono daquele terreno, daquela gleba, é um eleitor; de que não é prudente  aborrecê-lo por qualquer coisinha.

Criminosamente relegada até quando o inimigo periga transpor a tênue barreira composta pela sorte, esforça-se numa ou noutra mobilização mais propagandística e hipócrita do que propriamente com a sinceridade de propósitos em destruir potenciais criadouros do Aedes. 

"A limpeza sistemática de terrenos baldios pode diminuir em até três vezes as possibilidades de a população ser infectada pelo vírus transmitido pelo Aedes Aegipti", explica a farmacêutica bioquímica e mestre em Ciências Naturais, Haydêe Fagundes de Mendonça.

Pois bem. Basta andar um pouco pelas duas cidades para aferir o potencial bélico do mosquito em Bom Jesus, surpreender-se e indignar-se com a grande quantidade de trincheiras e casamatas disfarçadas com capim alto. 

E assim vamos vivendo, remediando aqui e alhures, picados pelo mosquito e agredidos pela falácia dos governantes. 

Sérgio Cabral, dia destes, enfatizava a necessidade de o Estado construir obras, realizar mais trabalhos de limpeza, entre outras ações e atitudes. 

Mais um pouco e acabava exigindo providências "das autoridades"...

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em abril/2008

O Grande Irmão já encheu o saco!

caminhopoetico.blog.com
Está a cada ano mais difícil aturar o tal do BBB (Big Brother Brasil), que tal e qual as ervas daninhas tomou de assalto o terreno já infértil de nossa Cultura, boas maneiras e espontaneidade.

Em sinal de protesto, todos os que pensam assim deveriam contribuir de alguma forma pela redução dos níveis de audiência da Globo. 

Impossível encontrar algo que se possa concluir proveitoso no confinamento de deslumbradas e deslumbrados que, num passe de mágica, pulam da insignificância para o estrelato.

Triste país este, em que pessoas que nada fizeram de útil, de proveitoso para a sua espécie são premiadas com uma montanha de dinheiro ou, na pior hipótese, com a facilidade de ganhá-lo fácil com a brusca notoriedade. 



A ignorância, o vazio de idéias, a incapacidade produtiva, a falta de cultura - às vezes de estudo, passaram a ser características altamente meritórias, e quem as portam merecedores de carrões zero km, de milhões de Reais, do glamour e da fama proporcionados pelas lentes de uma emissora que adentra os lares brasileiros do Oiapoque ao Chuí, dos Pampas aos Seringais.

Um jogador de futebol que pronuncia "a gente vamos ganhar", mas que por outro lado nos oferece sua arte, seu esforço físico e o prazer eventual de um gol ou de uma vitória, ainda vá que ganhe pequenas fortunas, mesmo no Brasil. 

Mas convenhamos que pagar pelo vulgar e pelo ordinário é uma completa inversão de valores e dá bem a tônica da loucura, da insanidade a que chegou o comportamento contemporâneo.

Deste lado do equador é incomum a valorização da Inteligência, da História, da Ciência, da Cultura. 


A liturgia do egocentrismo e da vaidade, lustrada por corpos esculturais é que está em voga. 

Quer dizer: mais vale hoje em dia possuir uma bunda proeminente ou um músculo rijo, do que massa cinzenta na cabeça. 

É lamentável, absolutamente constrangedor ver o jornalista Pedro Bial, destacado profissional de sua geração, homem culto e sensível, tirar Deus sabe lá de onde uma maneira de fingir que se diverte com o espúrio, com o ridículo, com a vulgaridade. 

Seu contrato de trabalho deve ter cláusulas draconianas!

Rotulem-me do que quiserem o amável leitor, a graciosa leitora que discordem. 


Insisto em que nada aproveitamos por contemplar a convivência de pessoas cujo único objetivo é ganhar dinheiro e fama, tendo até mesmo algumas delas, por vezes, de se comportar ao largo da ética e da moral, simulando caráter e dissimulando fraquezas, esforçando-se em nos iludir que ali estão na maior naturalidade e espontaneidade. 

Não deveríamos pactuar para que a malandragem, a preguiça, a lei do menor esforço, a indolência, a falsidade, o egocentrismo, a insensibilidade, o mórbido, o reles e outros comportamentos assemelhados se apresentem com tanta ênfase para estimular ainda mais a ignorância e a futilidade! 

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em janeiro/2008


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Culpados somos todos nós

ioneelev8.files.wordpress.com
Que início de ano infernal! Terras deslizam em Apiacá causando destruição; barreiras enterram vivas quatro pessoas em São José do Calçado; 

Enchentes mostram sua face assustadora nas duas Bom Jesus não uma, nem duas vezes, mas três, que é para não haver dúvidas quanto suas sinistras intenções.

O velho filme impõe sua odiosa reprise ad nauseam, sempre tão igual e a cada vez mais sacrificante de aturar com aquele cenário sombrio de mulheres e homens com seus filhos e alguns pertences fugindo da calamidade, sabendo que dali a um ano, ou menos, a saga se repetirá irremediavelmente.


Ao redor de tudo, um inimigo incrivelmente pequenino para o grau de periculosidade que ostenta faz suas incursões perversas nos corpos humanos para inocular-lhes a terrível dengue. 


É a alegoria mais macabra do bloco do horror, o arremate triunfal de uma Natureza esgotada, extenuada pelo descaso e pelos crimes ambientais que se perpetuam em nome de um progresso insano porque impossível de ser sustentado.

Culpados? Todos nós. Tomem-se como exemplo as cidades de Bom Jesus, num espraiar para todo o mundo subdesenvolvido, ignaro e autocriminoso. 


Um joga o lixo em qualquer lugar, outro deixa seu terreno descuidado. 



E não há autoridade! E não há quem se indigne! E não há quem mexa o traseiro um milímetro para alguma ação objetiva a partir do tsc, tsc, tsc, do gesto resignado e tímido de discordância que um ou outro manifeste.



Esgotos são despejados ao natural diretamente no pobre Itabapoana, com suas margens devastadas pela ocupação irregular e demente. 

Raros são os trechos que o outrora fundo Itabapoana não "dá pé". 

Em épocas de estiagem ele chega a se transformar,  em alguns pontos, de um caudaloso e impávido manancial em priscas eras que bem longe vão, num melancólico e ridículo laguinho. 


A fina lâmina d´água, com aquela lama sórdida, sobeja, quase cristalizada a rodeá-la, é como um lembrete da natureza aos bom-jesuenses e a todos os povos de maneira geral: em pouco tempo, insensatos, vocês verão! 

As desgraças que hoje convivem serão consideradas dádivas celestes em comparação com a sede. 


Torçam para que não haja vida após a morte: vocês estariam condenados a contemplar seus descendentes com as gargantas esturricadas a mirarem os céus com olhar canino de súplica!

Desastres naturais, fenômenos da Natureza são registrados desde que o primeiro bípede deixou seu rastro neste Planeta Azul. 


Ninguém pode ser culpado por isso, mas que devam existir quem se responsabilize pela tarefa de enfrentar as calamidades, aí sim. 

É para isso que existem governos, ao menos em tese. Mas qual! O Executivo nacional culpa os estaduais e os municipais, que por sua vez culpam o nacional. 


E o povo que contribui com seus tostões para conservar-lhes os milhões também se isenta da responsabilidade, só faltava mais essa... 

Medidas corretivas e preventivas, nem pensar. Planos de ocupação ordenada, projetos vigorosos e objetivos de recuperação e restauração dos ambientes naturais, então, é delírio de sonhadores. 


Como se ousa mencionar semelhantes coisas se nem o bueiro da esquina pode ser "desconcretado" por "falta de verba"? 


O louco que pensar semelhante asneira é capaz até de achar que o dinheiro público deve ser usado para coisas públicas... 

Um abilolado no mundo da Lua!

A natureza vai, assim, reagindo contra os excrementos sólidos de nossas almas e nossas ignorâncias líquidas. 


E seja o que Deus quiser!

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em fevereiro/2007

Valha-nos, Deus; Ou, mande-nos políticos honrados, trabalhadores e idealistas

O Brasil é um país sui generis! Que outro lugar um regime ditatorial ferrenho perpetuado em 20 longos anos deixaria saudades?

Onde mais as sombras da exceção dariam sinal de falta pela terrível insolação decorrente dos desvirtuamentos de uma classe política despreparada e incompetente, entreguista, cínica, maquiavélica, ladra?

A tenebrosa ditadura conseguia um menor teor de periculosidade em comparação com o liberalismo criminoso que aí está! 


Tivessem os coturnos continuado a estrangular a jugular da liberdade, ladeados por fuzis e metralhadoras, provavelmente não nos encontrássemos ora tão infelizes.

Fracassamos rotundamente! Gastamos até o último grau toda a nossa criatividade durante 20 anos na busca obstinada por liberdade, mas nada soubemos fazer com ela depois que a conquistamos, a não ser produzir uma aberração multiforme e voraz a sugar freneticamente tudo o que vê.

Era melhor a ditadura dos generais ou essa nova ditadura da corrupção, dessa ensandecida ladroagem que transforma o país em terra devastada?
Ainda que com arrepios de pavor pela lembrança do sinistro verde-oliva, havemos de reconhecer o considerável crescimento experimentado pelo país sob o seu tacão, em contraste com o torpor e a paralisia que trouxeram os ares democráticos.

Valha-nos Deus! Assumis de vez Vossa brasilidade e nos deis um pequeno alento.

Como podemos educar nossos filhos em meio a essa doutrina de roubo, de achaques, de espertezas, de injustiças?

Como podemos estruturar nossa cidadania sem instituições inconspurcáveis que a embasem e lhe deem sustentação? 

Como nos conformar pacificamente que um país tão rico em recursos naturais seja suplantado por Uganda e Etiópia em justiça social? 

Sim, Senhor. Perdemos para a Etiópia, aquele país africano que, data-vênia, parece que o Senhor dele esqueceu. Aquele, onde as crianças morrem a pele e osso com o olhar embaçado pelo flagelo da fome!

Veja, Senhor, o último bastião da esperança, que me recuso a citar o nome num protesto débil e incapaz de se espraiar.


Esse barbudo duma figa parecia a última fronteira entre a seriedade e a irresponsabilidade, entre o talento e a mediocridade, entre a criatividade e a bisonhice, entre a coragem e a covardia. 

Vinho da mesma pipa, Senhor! Pior até: especializou-se na arte do discurso enganador, temperado com lágrimas que amolecem os corações de nossa gente crédula e sensível.

Nosso povo vive hoje uma situação tão desconcertante, de tamanho torpor, que abateu-se sobre ele a “Síndrome de Estocolmo”, termo criado na circunstância em que uma sequestrada apaixona-se perdidamente pelo sequestrador. 

Livrais nossa gente, senhor, desse terrível equívoco!

O Senhor, com Vossa sabedoria, por certo há de encontrar alternativas que nós, simples mortais, não vislumbramos. 


Até onde nossa medíocre inteligência pode alcançar, parece não existir opções, sejam letradas ou analfabetas, graduadas ou apedeutas, religiosas ou laicas. 

O que fazer, Senhor, contra a lepra social, contra esse câncer dos mais insidiosos que corrói o organismo da pátria, metastaseado em todas as capilaridades dos nossos estados e municípios, cuja célula-máter se nutre em Brasília?

O limite suportável foi desde há muito ultrapassado. 


Teremos de colocar em risco a própria vida para eliminarmos as máfias que se instalam e se revezam "democraticamente" no poder, a fim de acabarmos com o estado de vômito permanente em que vivemos? 

Como dar voz às raríssimas e rarefeitas exceções perdidas na intensidade vibratória das hienas, no espocar de crocitos ensurdecedores dos urubus alvoroçados no butim? 

Aponte-nos, Senhor, uma alternativa. 

Mesmo que seja a dos canhões e das baionetas novamente, ainda que meus colegas jornalistas me esconjurem e me escorracem pela negação do princípio pelo qual me valho para sobreviver mal e porcamente. 

Porque, Senhor, a ditadura da máfia mata mais, e de maneira mais perversa, do que a dos fuzis!

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em julho/2005

Voar, voar, subir, subir

www.chasedumont.com
Como damos trabalho aos médicos depois que passamos dos 40 (idade do lobo coisa nenhuma, de um buldogue enfastiado... seria mais adequado)! 

No meu caso, quase a receber a chancela cinco ponto zero, dizem que tenho a pressão sanguínea e outros indicadores nos trinques, coisa e tal, não obstante o crescimento exagerado para os lados, um piripaque aqui, outro acolá. 

Mas está claro que é um exagero de boa vontade dos facultativos porque pelo menos minha temperatura média não deve estar legal, eis que ando tendo a impressão quase rotineira de que estou com a cabeça num forno e os pés num freezer.

Abstrações e lapsos de memória, que já me acompanhavam timidamente na primeira-idade resolveram que já é tempo de galgarem posições de comando agora na segunda, chega de acanhamento. 


Alguns de vocês já devem ter acendido um cigarro pelo filtro, ou pelo menos presenciado alguém fazê-lo. Mas dois num único dia eu duvido. 


Ligar para alguém trocando os números, já aconteceu? Três vezes consecutivas foi o meu recorde. 

A mente ordenava que eu teclasse, vamos dizer, 1460 e os dedos respondiam 1406. Na terceira vez o interlocutor, muito compreensivo e gentil sugeriu que eu deixasse um lembrete perto do telefone com os dizeres - não inverter os números. Algum tempo depois eu lia e me perguntava: - que números?

Já ocorreu a algum de vocês estacionar o carro e esquecer onde? Comigo sempre acontece. 

Prefiro estacionar na Praça Gov. Portela, mas dia desses deixei-o em frente ao Varejão I. Quase fui à delegacia prestar queixa de furto, com o coração na mão, convicto de que o teria perdido.

Até já pensava em como dar a notícia para a financeira, ao mesmo tempo em que bolava um título para a matéria que faria em seguida, algo como "Jornalista vira notícia" ou "Senhores larápios, cuidado com o superaquecimento", até que lembrei da minha displicência e comecei a procurá-lo melhor, tomando como ponto de partida para a garimpagem às cegas o Shopping Point 200.

A vantagem dos avoados são as viagens que fazem por mares pouco dantes navegados sem a necessidade de queimar um bagulho. 

Eu viajo muito. Foi o caso por exemplo que talvez estivesse certa feita virtualmente no Glacial Antártico, ao mesmo tempo em que fazia uma fezinha na lotérica de Bom Jesus do Norte.

Ao sair da loja, pairando em convivência com as gaivotas, fui em direção ao “meu” carro no outro lado da rua onde, juro, o havia deixado em frente ao açougue. 

Estranhamente a chave não entrava na fechadura de jeito e maneira, compreensível porque o automóvel não era o meu. Nem sequer da mesma cor ou marca!

Atarraxando na cara um desvanecido sorriso amarelo, encarei dois olhos que me fulminavam de cima de um tamborete do lado de fora do balcão do açougue, creio que pertencentes ao verdadeiro proprietário daquele carro incidental.

Ao divisar o meu de verdade quase na praça Astolpho Lobo, em frente ao Pague-Fácil do Tadeu, pronunciei o velho clichê - acho que estou ficando biruta, e instintivamente, num gesto teatral para amenizar o desconcerto entrei no estabelecimento que, além de carne, comercializava alguns artigos de mercearia.

Pedi uma Dipirona, que nestes tempos ´globálicos´ e nigérrimos se encontra em qualquer botequim, a pretexto de entabular um papo sobre distração. 

Mas o homem do tamborete, agora com certeza o dono do carro e do açougue, transformou os olhos inquisidores em dois arco-íris de infinda ternura, e como um pai atencioso que explica o resultado de dois mais dois ao filho pré-escolar, muito possivelmente censurando mentalmente quem teria deixado a porta da clínica de repouso aberta, disparou a sentença que atestava minha insanidade:

- Aqui é um açougue. Vendemos carnes. Remédios o Sr. encontra na farmácia, disse pausadamente, em tom didático, paternal.

Estava claro que o açougueiro havia momentaneamente esquecido de também ter sucumbido à chamada diversificação das atividades, mas achei melhor não retorquir mostrando-lhe a pequena prateleira atulhada de outras mercadorias, embora sem Dipirona. 

Era possível que nesse momento eu estivesse incursionando pelas dependências de algum supermercado do Casaquistão.

Qualquer dia trago-lhe novidades da Lua, amável leitor, graciosa leitora.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em outubro/2003

Silêncio

Do meu sonetista predileto, Guilherme de Almeida.

Silêncio - voz do amor, voz da alma, voz das coisas;
suave senhor dos céus, dos claustros e das grutas;
quebra-te o encanto o vôo, em trêmulas volutas,
do bando singular das lentas mariposas!

Silêncio - alma da dor de pálpebras enxutas;

reino branco da paz, dos círios e das lousas;
quando me calo, és tu, só tu, Silêncio, que ousas
falar-me, e quando falo, és só tu que me escutas!

Irmão gêmeo da morte, ó mística linguagem

com que se fala a Deus! Meu coração selvagem
segreda-te a impressão que à flor da alma resvala

e tu lhe fazes, mudo, a confidência triste

que te faz a mudez de tudo quanto existe,
porque és, Silêncio, a voz de tudo o que não fala!



Meu caçulinha

Acorda  mais cedo e disfarçando eu manjo,
À minha cama vem como um tropel,
Nesta altura da vida, olha o que eu arranjo, 
O sono esbulhado por gente do céu.

A felicidade existe e eu até a esbanjo,

No filho que é meu tudo, minha fé, meu laurel,
Tem 2 anos de idade e nome de anjo,
Meu doce, espevitado, “diabinho” Gabriel.

Imploro a Deus que pela mão o conduza,

Nas veredas da sorte precursando o ideal,
Revolvendo os perigos da vida confusa.

E, se não exagero, me conceda o preito,

Ao soar minha hora na orbe terreal,
Por ele ter os olhos cerrados no leito.

Autor: José Henrique Vaillant 

Achar-te-ei

Tu, que povoas meus pensamentos noite e dia
Não tens forma, nem silhueta, mas em verdade,
Existe. E eu te encontrarei, por lealdade,
A uma alma que quer deixar de ser sombria!

E quando essa hora chegar, ainda que tardia,

Dos céus há de descer, pelas mãos da potestade,
Os augúrios a uma vida intensa, com dignidade,
Isso eu sempre disse a todos, isso eu sempre me dizia.

E o meu caso, então, terá outro matiz,

Diferente do bom poeta que escreveu, disseram,
Os versos tristes pelos quais nos diz:

“Triste de quem como eu vê que, infeliz,

teve todas aquelas que o quiseram,
mas nunca teve aquela que ele quis!”

Autor: José Henrique Vaillant 

Crescei e multiplicai-vos; ou, o celibato sacerdotal tornou-se um anacronismo estimulador de crimes sexuais

O celibato não estará contrário às Escrituras?

O padre que teria caído nas tentações da carne em Bom Jesus do Itabapoana - fato de domínio público, porém oficioso, é mais um a questionar duramente uma disciplina exigida milenarmente pela Igreja Católica, que de há muito deveria ser eliminado: o celibato compulsório.

É preciso lembrar que o voto de castidade a todos os eclesiásticos não é um dogma da fé católica, não está propriamente ditada pelos princípios do Cristianismo, mas é apenas uma norma interna, uma exigência da Igreja aos que nela queiram ingressar como sacerdotes. 



Na realidade o celibato, ao contrário dos que acreditam ser um costume inspirado no comportamento de Jesus Cristo, nada mais é que uma forma sutil de aproveitar todo o tempo disponível do sacerdote para o trabalho único e específico da Igreja, sem ter que dividi-lo com filhos, esposas e as implicações decorrentes. 

Tanto é que até 303 d.C. isso não era obrigatório, apesar de haver forte militância voluntária, até que o Concílio de Elvira (Espanha) recomendou o celibato como norma para os religiosos.

Não há dúvida que o assunto é uma tremenda dor de cabeça para o Vaticano. 


Ao sentir o avanço agressivo das religiões protestantes, com a liberalidade sendo o maior poder atrativo, a Igreja Católica vem afrouxando devagarinho seus preceitos herméticos. 

A exigência do celibato poderá vir a ser um deles, onde a Igreja certamente contabilizará mais lucros que prejuízos. 

O abuso sexual praticado por padres é uma prática que poderá vir a ser drasticamente reduzida. 

O Pe. José Lisboa Moreira de Oliveira faz uma análise a respeito, ressaltando que ela deve ser vista no contexto do fato em questão, a fim de se evitar colocar no mesmo caldeirão todos os padres e toda a formação presbiteral.

“Este fato do abuso sexual cometido por padres é antes de tudo uma denúncia grave. 


Certos setores da Igreja costumam acobertar fatos graves, achando que se pode tapar o sol com a peneira. 

Não coloco aqui em discussão a preocupação de não provocar escândalos nos fiéis ou de salvaguardar a honra e a dignidade de quem foi envolvido. Isso é necessário e compreensível. 

O que questiono é o fato que, mesmo internamente, com os meios disponíveis, justos e corretos, não se procure averiguar melhor o problema, deixando a coisa correr. 

O que escandaliza é o pouco caso com o qual situações sérias e graves são tratadas. 

Com isso fica muito claro que, no fundo, o que se pretende é proteger o mais forte. Neste caso, o homem, o ´macho´, o padre. 

Quando freiras e mulheres são violentadas, abafa-se o caso inclusive com suborno, com promessas e até com ameaças. 

O caso morre ali, a vítima, muitas vezes pobre e indefesa, não tem como se defender. Com isso dá-se o caso por encerrado, não se encara de frente o problema e as coisas ficam como estão. 

Não se trata, é claro, de agir com punições rigorosas, expulsões ou coisas assim. 

Mas de sermos menos hipócritas, mais cristãos, abordando a questão com serenidade, com seriedade, na tentativa de verificar a raiz de problema e de, sem falsos pudores, encontrarmos saídas para diminuir o sofrimento de muita gente, inclusive dos próprios padres.

Cabe salientar que, mesmo se tratando somente de "algumas situações negativas", isso tudo tem um preço. 


E o preço mais alto quem geralmente paga é a mulher, violada em sua dignidade, tratada como objeto e obrigada a permanecer no anonimato. 

Mesmo que tivesse sido apenas um único caso, isso já seria motivo de séria reflexão, pois uma só mulher abusada sexualmente é filha de Deus, é gente. E nada justifica tal violência".

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em dezembro/2001

Telefone ao menos uma vez...

...para 344333. Lembram-se da canção? Década de 1950/1960, na voz da grande Aracy de Almeida. 

Bons tempos, bons tempos. Rodava-se a manivela e do outro lado da linha fazia triiimmmm.

Já há quem se lembre com nostalgia da Telerj ..., da Telest. Como era bom... Alimentava-se o sonho de consumo de possuir um telefone, muitos sacrificando até o frango do fim de semana para poder juntar um caminhão de dinheiro durante longos anos e ... anham...!, passavam dias embevecidos a contemplar o reluzente aparelho analógico, de disco, mas que falava, ou melhor, falar mesmo, no duro, não falava, mas permitia que se conversasse à distância por seu intermédio.

Hoje os aparelhos são belíssimos, os mais modernos, o supra-sumo da tecnologia e do design, que cabem na palma da mão, e seus chips gradativamente menores, e em proporção inversa cada vez mais miraculosos fazem aposentar as velhas agendas, e pelo pique da remada mesmo, as nem tão obtusas secretárias eletrônicas encontrarão um fim triste e melancólico.



Aparelhinho tão popular e barato quanto um liquidificador (leio nos jornais que em algumas capitais já o distribuem gratuitamente, pagando-se apenas uma pequena taxa pela habilitação na operadora), mas o diabo é que não tem falado, ou melhor, não tem permitido que se converse através dele.


Aqui na terrinha observo pessoas portando garbosamente seus celulares ultramodernos com esponjas de aço (de 1001 utilidades) nas anteninhas, alguns com as faces vermelhas e as gargantas roucas de tanto gritarem na vã e desesperada tentativa de ouvirem e se fazerem entender. 

As reclamações são tantas que suplantam as relativas ao campeoníssimo Fernando Henrique. 

Contas astronômicas constando ligações para localidades nunca antes imaginadas, linhas cruzadas, conversações bruscamente interrompidas, aparelhos que "engolem" os créditos no melhor estilo dos malandros orelhões comedores das fichas de antigamente, e o pior: ninguém se entendendo:

- O QUÊ, MULHER? F-A-L-A  A-L-T-O. A galinha da vizinha? AHN? A gatinha na cozinha? Deixa pra lá. OLHA, COMPRA O PEIXE. É, P-E-I-X-E. AHNNN? PODE SER GAROUPA, NAMORADO, O QUE TIVER. 

- NAO TEM NENHUM? NEM PIRARUCU? NÃO, NÃO. O QUE É ISSO???!!! BENHÊ, NÃO ESTOU MANDANDO VOCÊ TOMAR... NÃO AMOR, PIRARUCU. PEIXE.

Alto risco o desse casamento, assim como negócios não realizados, pessoas passando fome por não conseguirem falar com a pizzaria, namoros desfeitos e mesmo requisição de serviços essenciais como hospitais, bombeiros e polícia inteiramente prejudicados pelo "mudão" ocorrido há poucos dias quando da mudança dos números de discagem.


E a culpa foi nossa, lembram do que o disse o sujeito da Telemar? Não devíamos ter ido com tanta sede ao pote testar os novos números; a Ana Paula Arósio, aquela gracinha, alardeava que era para fazermos o 21 mas não entendemos direito o espírito da coisa.

Não atinamos para a sutileza do anúncio, que talvez quisesse nos incentivar a não ficarmos jogando conversa fora ao telefone, mas ao invés disso, inventarmos outra posição numérica para nossa melhor interação sexual, para variar um pouco dos conservadores dois números 6 (um deles, invertido). 


Ou não era bem isso? Com certeza esse pessoal do 21, do 31 (171 lhes cairia melhor) não iria simplificar algo que podia complicar.

Mas como se diz que em tudo há um lado bom, resolvi tirar proveito desse caos. 


Estou trabalhando nuns livrinhos de autoajuda que me renderão bons lucros e terão muita utilidade para os brasileiros. 

Ainda não decidi quais serão os títulos, mas estou pensando seriamente neste: " Como construir seu próprio telégrafo, passo a passo". Ou este: "Noções básicas de sinais de fumaça em dez lições". 

O problema é que não consigo me comunicar com os índios para adquirir o know how. 

Os celulares deles chamam, chamam ..., mas não respondem!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em agosto/1999

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Viva o viço do meu vício; ou, abaixo a patrulha ideológica do politicamente correto

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Abaixo vai um texto que fiz em 1998 em desagravo à patrulha ideológica que não deixava eu pitar sossegado o meu cigarrinho. 

Mas ressalto que desde o início deste 2013 não coloco um maldito na boca. Parei, deveras e de Ana Maria, como dizia um velho conhecido (doido de jogar pedra, mesmo, em sentido literal), inconformado que só Veras tinham direito a assentarem como advérbio nos dicionários.

Parei, até porque, prestes a conquistar a prerrogativa de ficar isento de mofar em filas de bancos, o tabaco começava a ameaçar seriamente de levar-me ao encontro tete-a-tete com São Pedro, de maneira odiosamente compulsória e, quero acreditar, prematura, - já que pretendo ir no mínimo aos 100.

Estou usando pastilhas de nicotina, que me ajudam pra burro. Mas temo estar me viciando nelas também, ai de mim! 


Ao texto:

Como é chato um ex-fumante patrulhador do vício alheio! Dia desses estava eu dando o rotineiro trato aos pulmões, saboreando com sofreguidão as delícias químicas do meu bagulho, Derby, quando sou interrompido abruptamente em meus devaneios nicotínicos pela visita - antes agradável, ora nem tanto - de um amigo (que dou aqui o pseudônimo Fausto) , um ex-fumante inveterado, convertido agora num ferrenho naturalista e militante xiita das campanhas antitabagistas. 


Ao ver-me refestelado no sofá com um cigarro entre os dedos, não  conteve uma expressão de espanto, e com ar profético disparou, apontando-me agressivamente o indicador:

- Com mil caveiras! Sabes que estás morrendo aos poucos, imbecil?



Pego assim meio de supetão, ameacei esboçar um tímido protesto, neutralizado de imediato por uma torrente de velhos chavões e conselhos estereotipados:

- Apagas essa ideia! Hoje tu o acendes, amanhã ele te apagas! Sabes qual o destino dos suicidas? 

Sim, tu és um suicida em potencial e contigo ainda serão arrastados para o túmulo o teu filho e a tua mulher, vítimas inocentes e passivas da tua fumaça criminosa, discursava com gestos teatrais!

E continuava com seu discurso apocalíptico, aterrador:

- Sabes o que significa um pulmão com enfisema, um enfarto do miocárdio, um sistema respiratório comprometido? 

- Mas...

- Nada de mas, matou no nascedouro outra tentativa de protesto, e continuou com o monólogo contundente.

- Além disso, panaca, fumar hoje em dia é demodé, é pagar mico. Sem contar a perda de dinheiro, de paladar, de olfato, pele seca, rugas prematuras... 

Posso falar?

Fingiu que não ouviu e continuou, senhor de todos os palcos.

- E o bafo? Argh! Tua mulher aguenta? Paras, Zéinrique, enquanto tens tempo. Faças como eu, jogues fora este maço e nunca mais acendas um cigarro. Sentirás até na cama uma magnífica melhora no desempenho!

Definitivamente suas palavras me deixavam deprimido. Não bastassem os dissabores que sofre um fumante dos tempos modernos, discriminado de todas as formas, ainda ter de engolir falatório unilateral de um abelhudo!

Então resolvi dar um basta naquela conversa chata e desabafei, radicalizando:

- CHEGA! Deixe-me em paz com meu cigarro! Pelo que sei ainda não proibiram fumar em nossa própria casa, e além do mais, não estou convencido que parar é tão bom como falas. 

Dei uma respirada e levantei a mão espalmada para interromper um princípio de reação, e continuei:

- Tua ex-mulher mesmo anda comentando por aí que te deixou porque já não aguentava mais o teu nervosismo depois que parastes de fumar. E alfinetei ainda mais fundo:

- E pelo que ela anda dizendo, a tua disposição na cama não ficou  redobrada coisa nenhuma. Ao contrário, ela disse que arrefeceu! Sera que é porque engordastes tanto? Ou a síndrome de abstinência foi tão violenta a ponto de fazer-te mudar de preferência? Olha que já andam falando por aí...

Bem, depois dessa, nunca mais vi o Fausto, mas dizem tê-lo encontrado no consultório de um famoso urologista tentando, entre outras coisas, uma receita de Viagra. 

E dizem também que voltou a fumar. Dobrado!


Em tempo: 
Não por ser pernóstico ou coisa parecida, desejando aos outros o mesmo mal que o cigarro me causa. Ao contrario, é por solidarizar-me com um companheiro de vício que sofre momentaneamente com a ausência da fumacinha sinistra é que sempre dou cigarros a um filante, com prazer.

Só não deixo de observar com ironia o mote de quase todos eles, que usam a redundância quase como uma desculpa para a filada:


- Me dá um cigarro do teu

Tenho vontade de responder:

- Vou dar-te mesmo um do meu, pois se não fosse poderiam acusar-me de roubo, furto, apropriação indébita; e a tu, de receptador.


Em tempo 2
Faz mal, e muito, o cigarro! Sei que é possível deixá-lo. Mas só quando a determinação em fazê-lo for maior que a fissura em consumi-lo; quando o respeito à própria vida suplantar as fraquezas pelo vício. 


Oxalá eu possa um dia deixá-lo, e vocês, amável leitor, graciosa leitora, tentem. 

E você, que nunca usou, não caia na cilada de experimentá-lo nem de brincadeira!


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em agosto/1998


Templos religiosos

Quantos templos religiosos a gente vê por aí! Um cidadão aluga uma salinha, coloca lá um tablado e algumas cadeiras e pronto: mais um representante de Jesus na Terra devidamente creditado a defender o Seu santo nome e difundir Sua palavra. 

Tomando por base as Bom Jesus, imaginem a proliferação dessas casas de orações por todo esse Brasil e esse mundão de pecados!

Conclusão: 

Nem só de pão pode viver o homem. E a falta do pão da Justiça, da igualdade, da esperança e da oportunidade para todos amplifica o bom verbo de autênticos pastores.

O diabo é que, infelizmente, desperta também a sanha oportunista dos falsos profetas.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em outubro/2009

Essa não! Ou, como se livrar da claustrofobia pelo susto

andreiave.blogspot.com.br
Palhares tinha pavor de pequenos espaços fechados. Tremia e suava frio toda vez que se utilizava de elevadores, ônibus e ate mesmo de banheiros. 

Foi a um especialista e descobriu a causa do seu problema: claustrofobia.

Além de tranquilizantes para relaxar, o médico prescreveu-lhe uma terapia curiosa, que consistia em trancar-se diariamente dentro de um armário por umas duas horas, a fim familiarizar-se com os ambientes que motivavam os seus medos.

- Mas doutor, disse ele, - moro numa pequena quitinete, e  por isso não possuo um móvel suficientemente grande que me caiba dentro!

- E não poderia utilizar-se do de algum parente?, retrucou o médico.

- Não tenho nenhum por aqui. Porém..., ficou matutando alguns segundos e... heureca!



- Já sei!, disse com uma expressão de contentamento. - Tenho um amigo, lutador de MMC, que possui um enorme guarda-roupas em seu quarto... 



- Taí, combine com ele, aconselhou o médico.

- O problema é que ele está viajando em férias...

- Espere-o retornar.

- Não. Quero me livrar o quanto antes desse problema que muito tem me afligido. Entre inúmeros embaraços,  diariamente subo e desço uns 500 lances de escada para chegar na empresa, que fica no 25° andar de um edifício no centro da cidade. Tem vezes que até desisto de descer para o almoço...

- Realmente, um problema e tanto..., observou o doutor.

- Já não aguento mais a gozação dos colegas que me apelidaram de o pagador de promessas, outros sugerindo que eu troque minha profissão para ascensorista ou limpador de cacimbas.

- Situação deveras constrangedora...

- Constrangedora? Calamitosa, isso sim. Por isso quero me livrar rapidamente desse problema e vou começar hoje mesmo com a terapia.

Mas o seu amigo não esta viajando? Como irá utilizar-se do guarda-roupas dele?

- Humm..., hummm..., sua casa tem uma janela com um defeito na fechadura que permite abri-la por fora. Só eu sei deste segredo, afinal somos muito ligados. Então, quando ele e a esposa retornarem, esclarecerei tudo, expôs ao médico. E assegurou de si para si:

- Tenho certeza de que não haverá problemas.

- Então, boa-sorte. E não se esqueça: pelo menos duas horas trancado diariamente, no mínimo uns dois meses, ok?, recomendou o facultativo.


Dito e feito, Palhares abriu cuidadosa e discretamente a janela e penetrou na residência, indo direto ao quarto de dormir do amigo. Abriu a porta do guarda-roupas e trancou-se lá.

Estava há uns dez minutos, suando por todos os poros, quando ouviu passos. Pela fresta, verificou que era a esposa do amigo. 

- Mas que diabos, pensou. - Será que brigaram de novo e ela não foi com ele? Ou foi e voltou antes? Ou...

O suor agora já descia em bicas, coração acelerado, situação dramática porque o plano não era de jeito nenhum ser surpreendido dentro da casa. 

Por mais forte que fosse a afinidade, por mais sólida a amizade, era uma situação exótica que exigiria todo um ritual preparatório antes de ir direto ao ´tranquei-me no seu armário´. 

Mas a circunstância daquela mulher ter retornado antes do tempo mudou tudo. 

O que fazer? O que dizer? Ainda se fosse o próprio amigo... Mas a mulher dele? Nem tanta intimidade tinha Palhares com ela, afinal, ele crescera com o amigo, compartilhava alegrias e tristezas era com ele. 

Ela, Palhares  só veio a conhecer cerca de uns seis meses antes de se casarem, também uns seis meses atrás. 

Ele então decidiu continuar escondido, até porque o compartimento em que estava tinha toda a pinta de ser usado pelo amigo, muitas roupas masculinas nos cabides, com menor probabilidade dela abrir aquele nicho específico. 

A idéia era esperar que ela fosse dormir, já era tarde da noite.

- Quando ela estiver nos braços de Morfeu, saio pé ante pé, matutava Palhares. 

E ficou ali, procurando respirar mui suavemente, sem produzir nenhum ruído. 

Ficou neste suplício, as roupas já completamente encharcadas, espiando por uma pequenina fresta o que acontecia.

Umas duas horas se passaram quando o minúsculo espaço visual proporcionado pela fresta mostrou a Palhares que a mulher se trocava, e até a imagem de nádegas bronzeadas,  bem torneadas, seu cérebro registrou. 

Quando a luz se apagou e ouviu um ranger da cama, calculou que se aproximava a hora de sair. Estava nesta expectativa  quando sentiu um calafrio e um pavor indescritível: ouviu o barulho da porta principal da casa se abrindo, e passos que vinham em direção ao quarto. 

Quando a luz acendeu ele viu, apavorado, que era o amigo. - Que merda, o que aconteceu com esses dois filhos de uma...
Após ouvir juras de amor, pedidos de desculpas mútuas (haviam brigado. Ela retornou na mesma hora; ele pretendia ficar para dar-lhe uma lição, deixá-la grilada por supostamente não dar a mínima, mas não resistiu e pegou o primeiro avião de volta) e  presenciar uma tórrida sessão de  sexo explícito, Palhares quase enfartou quando o corpanzil do amigo lutador dirigiu-se para o compartimento em que estava.

- Você!!! O que faz aqui???!!! perguntou o amigo, estupefato, olhos esbugalhados de indignação.

Só restou a um Palhares ´destamaniquinho´, amarelo como gema de ovo, tremendo que nem vara verde, no estupor do assombro com uma vozinha sumida e vacilante, balbuciar:

- Olha..., eu po... po... posso explicar...

- EXPLICAR O QUÊ? FALE MISERÁVEL, ANTES QUE EU TE CALE PARA SEMPRE.

- Bem..., se eu di... di... disser que estou aqui... a fim de... de...  curar minha claus..., claus... trofobia, vo... vo... você acredita?


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/1997